Filhos do Paraíso
Uma mulher especial me disse que havia alugado o filme “Filhos do paraíso” para assistir com a filha que vivia reclamando da vida: “Quero que a Adriana veja essa história porque ela nunca está satisfeita com o que tem, se queixa de tudo, sempre deseja o melhor e mesmo assim, nada está bom”.
E, enquanto secava a louça do almoço, emocionada e com os olhos molhados, ia me contando a história: “Eram dois irmãos pobrezinhos, a mãe doente, o pai ganhava pouco. Um dia o menino buscou os sapatinhos da irmãzinha que estavam no conserto e, enquanto fazia as compras na quitanda, deixou-os num canto. Por azar, o lixeiro passou e carregou os sapatinhos. Eles decidem não contar para os pais porque sabem que estão com o aluguel atrasado, que devem na quitanda e que a mãe não está bem de saúde. Então, para ir à escola, revezam o único par de sapatos restante. Todos os dias ele a espera numa ruazinha para trocar os calçados; ela saia do colégio correndo para dar tempo. Um dia o menino tenta ganhar o terceiro lugar numa maratona, onde o prêmio é uma par de tênis. Eles combinam que trocaram por um sapato de menina. Olha, se tu vê, tu chora!” Eu vi, chorei, pensei nas minhas queixas e me lembrei dos “chinelos havaianas, das congas, do kichutes e dos chinesinhos”.
Os tradicionais chinelos havaianas são facilmente encontrados em supermercados, nos dias de hoje. As lojas de calçados preferem vender os modelos elitizados por causa das mudanças que acompanharam tendências e pelo merchandising com artistas de alto nível que ajuda o cliente “a ter bom gosto”. Chegamos a pagar três vezes mais somente por causa da cor e oito vezes mais por causa do solado! É claro que não se mantiveram no mercado devido exclusivamente à qualidade. Não estou criticando a inteligência da empresa, mas o nosso consumismo.
Procurei no dicionário pelas palavras kichute, quichute, quixute, kixute e não encontrei nada, como já esperava. Por isso, vou escrever da maneira que me agrada e sei que quem conhece, sabe do que estou falando. Os kichutes eram modelos exclusivamente masculinos: pretos, fortes e com agarradeiras no solado. Era o sonho dos jogadores de futebol de campo que não podiam ter uma chuteira. Falando nisso, vi uma dessas que custa mais do que dois salários mínimos.
As congas era azuis ou pretas e podiam ser usadas por meninas. Só os privilegiados tinham uma dessas, aquecendo os pés nos dia de inverno.
O calçado que as crianças revezavam era um tênis que conheço como “chinesinho”. Tem um guardado na despensa de minha casa. Havia uma época que buscavam no Paraguai para revender, pois a demanda era grande entre os jogadores de futebol de salão. Fui pegá-lo para observar os detalhes que são poucos: parece ser feito de um tecido de algodão que encarde, mas não rasga e tem o solado verde onde se encontra a inscrição Samurai e alguns símbolos que suponho pertencerem aos hieróglifos usados na China.
Para quem não sabe Samurai é um guerreiro japonês e para mim, o menino do filme é um exemplo de guerreiro indiano que luta contra os dissabores do mundo sem reclamar. E nós, que já achamos o “máximo” ter uma conga, somos exemplos de guerreiros brasileiros que nunca desistem.
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